Partida
Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me às vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito
Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam reflectir.
A minh’alma nostálgica de além,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a força de sumir também.
Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que são para o artista? Coisa alguma.
O que devemos é saltar na bruma,
Correr no azul à busca da beleza.
É subir, é subir além dos céus
Que as nossas almas só acumularam,
E prostrados rezar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.
É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e de irreal,
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.
É suscitar cores endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção de alma ampliada,
Viajar outros sentidos, outras vidas.
Ser coluna de fumo, astro perdido,
Forçar os turbilhões aladamente,
Ser ramo de palmeira, água nascente
E arco de oiro e chama distendido...
Asa longínqua a sacudir loucura,
Nuvem precoce de subtil vapor,
Ânsia revolta de mistério e olor,
Sombra, vertigem, ascensão – Altura!
E eu dou-me todo neste fim de tarde
À espira aérea que me eleva aos cumes.
Doido de esfinges o horizonte arde,
Mas fico ileso entre clarões e gumes!...
Miragem roxa de nimbado encanto
Sinto os meus olhos a volver-se em espaço!
Alastro, venço, chego e ultrapasso;
Sou labirinto, sou licorne e acanto.
Sei a distância, compreendo o Ar;
Sou chuva de oiro e sou espasmo de luz;
Sou taça de cristal lançada ao mar,
Diadema e timbre, elmo real e cruz...
O bando das quimeras longe assoma...
Que apoteose imensa pelos céus!
A cor já não é cor – é som e aroma!
Vêm-me saudades de ter sido Deus...
Ao triunfo maior, avante pois!
O meu destino é outro – é alto e é raro.
Unicamente custa muito caro:
A tristeza de nunca sermos dois...
Mário de Sá Carneiro
Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me às vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito
Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam reflectir.
A minh’alma nostálgica de além,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a força de sumir também.
Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que são para o artista? Coisa alguma.
O que devemos é saltar na bruma,
Correr no azul à busca da beleza.
É subir, é subir além dos céus
Que as nossas almas só acumularam,
E prostrados rezar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.
É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e de irreal,
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.
É suscitar cores endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção de alma ampliada,
Viajar outros sentidos, outras vidas.
Ser coluna de fumo, astro perdido,
Forçar os turbilhões aladamente,
Ser ramo de palmeira, água nascente
E arco de oiro e chama distendido...
Asa longínqua a sacudir loucura,
Nuvem precoce de subtil vapor,
Ânsia revolta de mistério e olor,
Sombra, vertigem, ascensão – Altura!
E eu dou-me todo neste fim de tarde
À espira aérea que me eleva aos cumes.
Doido de esfinges o horizonte arde,
Mas fico ileso entre clarões e gumes!...
Miragem roxa de nimbado encanto
Sinto os meus olhos a volver-se em espaço!
Alastro, venço, chego e ultrapasso;
Sou labirinto, sou licorne e acanto.
Sei a distância, compreendo o Ar;
Sou chuva de oiro e sou espasmo de luz;
Sou taça de cristal lançada ao mar,
Diadema e timbre, elmo real e cruz...
O bando das quimeras longe assoma...
Que apoteose imensa pelos céus!
A cor já não é cor – é som e aroma!
Vêm-me saudades de ter sido Deus...
Ao triunfo maior, avante pois!
O meu destino é outro – é alto e é raro.
Unicamente custa muito caro:
A tristeza de nunca sermos dois...
Mário de Sá Carneiro
Mesmo não partilhando a carne, a nossa essência é una!
Com o mesmo amor de sempre,
da tua esfinge
Com o mesmo amor de sempre,
da tua esfinge
1 comentário:
Qual João? uh?
-.-
Adorei o post. Apetece-me escrever qualquer coisa...
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